25 de Abril

Revolução dos Cravos abriu as portas para esquerda brasileira no exílio

27 de abril 2024 - 18:07

Portugal acaba por se tornar o destino dos exilados brasileiros que tinham encontrado refúgio na Argentina após o golpe no Chile. Guerras da independência dos povos africanos também influenciaram as lutas da esquerda no Brasil.

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Portugal acaba por se tornar o destino dos exilados brasileiros que tinham encontrado refúgio na Argentina após o golpe no Chile. Guerras da independência dos povos africanos também influenciaram as lutas da esquerda no Brasil.
Manifestação do 25 de Abril - Reprodução

No dia 25 de abril de 1974, quando os militares portugueses derrubaram a ditadura fascista em Portugal, que deu início à instauração da democracia no país, o Brasil havia completado dez anos sob ditadura militar (1964-1985), que entrava no período mais duro da repressão.

Parte significativa da militância de esquerda brasileira, assim como artistas e intelectuais perseguidos pelo regime, haviam se exilado no Chile, sob o governo socialista de Salvador Allende. Após o golpe de 11 de setembro de 1973, que terminou com a morte de Allende e o início da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), os exilados buscaram refúgio em embaixadas estrangeiras, e encontraram abrigo nos espaços diplomáticos da Argentina e da França.

"Com o golpe, os que não foram presos obrigaram-se a fugir do país ou se refugiar em embaixadas, lá ficando até órgão internacionais conseguirem acordar com o governo ditatorial chileno a saída segura desses estrangeiros. Estes então vão para Argentina, mas com a condição de deixarem o país o quanto antes", explica o historiador Rodrigo Pezzonia, autor do livro Guarda um cravo para mim (Alameda, 2019).

Depois de certa desconfiança dos militantes brasileiros que estavam na Argentina "por não crerem que seria possível uma revolução à esquerda vinda de militares", o historiador aponta que Portugal acaba por se tornar o destino dos exilados brasileiros naquele momento, uma "porta de entrada" para a esquerda na Europa. "A maioria acaba por não permanecer e vão para os outros países europeus, mas os que ficam aliam-se fortemente ao movimento das Forças Armadas e vão trabalhar junto aos revolucionários na concretização da Revolução nos mais diversos campos."

Uma vez em Portugal, as organizações de esquerda brasileira logo se alinham às suas "irmãs" portuguesas: Partido Comunista Português (PCP) e Partido Comunista Brasileiro (PCB); Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e União Democrática Popular (UDP); e outros ex-adeptos da esquerda armada brasileira ligados a organizações como Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), VAR-Palmares (VPR) e Aliança de Libertação Nacional (ALN), "que, após um longo processo de autocrítica, vão alinhar-se ao Partido Socialista de Mário Soares", explica Pezzonia.

"Este último grupo talvez tenha sido o que mais influiu na política brasileira a partir de Portugal após a Amnistia e a reestruturação partidária. Foi a partir deste grupo e seu alinhamento com a social-democracia europeia, sobretudo após a chegada de Brizola em terras lusas, que a reestruturação do trabalhismo foi culminando na criação do PDT (Partido Democrático Trabalhista), bem como na introdução da social-democracia no Brasil."

Colunista do Brasil de Fato, professor titular no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e militante da Resistência/Psol, Valerio Arcary foi um dos brasileiros que se exilaram em Portugal, em 1966. Ele permaneceu no país europeu até 1978. "A imensa maioria dos trotskistas da minha geração aprenderam que a luta pela revolução socialista era possível lendo livros sobre a revolução de outubro, e as que vieram depois. Eu tinha aprendido vivendo a revolução nos meses intensos do 'verão quente' de 1974 em Lisboa", relatou na sua coluna sobre o retorno do exílio.

Guerras de independência e movimento negro no Brasil

Além de terem um papel central para o desgaste da ditadura fascista e influenciarem diretamente o golpe militar que deu início à Revolução dos Cravos, as guerras de independência nas colónias portuguesas de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde também influenciaram as lutas da esquerda no Brasil, em particular do movimento negro, aponta a historiadora Patrícia Teixeira Santos, docente na Universidade Federal de São Paulo e investigadora de Estudos Africanos na Universidade de Bordeaux na França e do Departamento de Estudos Africanos da Universidade de Dehli (Índia).

"São movimentos altamente inspiradores que vão dar força para a manutenção da luta antirracista e um reforço extremamente importante da ideia de um poder negro que ascende, de um governo negro que se estabelece com a vitória contra a exploração colonial, contra uma ditadura. Para o movimento negro no Brasil, as lutas de libertação nacional são um alento no meio da ditadura militar e o incentivo para a continuação dessa militância, mesmo na clandestinidade, de protestos e de uma série de ações."


Edição: Thalita Pires. Artigo publicado em Brasil de Fato. Adaptado para português de Portugal pelo Esquerda.net